2ª Etapa – A Prova de resistência Partida de Coimbra. Cedo. Muito cedo. Ainda a dormir apresentámo-nos no palanque. Lá fomos para umas voltas à cidade. Pois é. Pensavam que Coimbra era uma cidade civilizada. Enganam-se. Tem ruas empedradas. Há pois tem! E vamos lá percorre-las para não perder a prática.
Saímos para o Portugal perdido, numa madrugada escura, a subir a serra, a dominar uma vista de sombras intermináveis, a ver uns farrapos de nevoeiro aqui e ali por entre os montes verdes escuros, com o frio a ameaçar o dia. O prognóstico era desanimador, esperava-se chuva para o dia todo.
E lá vamos nós, rumo a Alcabideque, onde a seguir à Torre procurámos o único pedaço de estrada que o presidente da junta se esqueceu de alcatroar. E era a subir, a subir, a subir e estava cheio de lama e chovia a potes. 500 metros a subir só para apanhar a estrada principal.
O sol nascia mas não era sobre nós. Talvez noutro país distante pois só víamos cinzento, água e mais água, o céu desabava, não se via nada só chuva e mais chuva, forte e pesada. Debaixo daquele dilúvio seguimos em direcção a Rabaçal, passámos pelo largo principal de Ansião, desta vez não é empedrado mas fazemos questão de passar pelas piores ruas que há pelo caminho. Rumo a Freixianda, acompanhados por um arco-íris completo, repleto de cores que não eram suficientes para dar alento à romaria da chuva, lá fomos em direcção a Ourém. As nuvens eram negras, lá ao longe parecia que o céu estava a despontar, rodámos sempre em frente rumo ao sol que também rodava para longe de nós. A estrada não se via, a torrente de água não acabava.
Chegados a Ourém, a subida para o Castelo fazia-se por uma excelente estradinha, inclinada a 94 graus, piso empedrado (claro), com curvas em U e bem molhadinha, daquela chuvada que teimava em não parar. Valeu-nos o café e os pastelinhos do pequeno-almoço. Se a subida foi difícil, estávamos com sorte pois a descida foi pior. Uma rampa em alcatrão, com cinco centímetros de largura, a descer a pique, com curvas em cotovelo, em W, em nó. Um pavor.

Estrada de novo para a continuação da prova de natação. Riachos, Golegã, Chamusca, Montargil, Mora, terras que passamos à pressa, em direcção aqueles tufos fofos e brancos que se viam lá ao longe no céu. Paragem para um cafezito e começam as apostas. Depois do menu de ontem, concentração em Brotas, porco no espeto outra vez!
Fomos enganados. Afinal o porco também fugiu da chuva. Depois daquela maratona esperava-nos um belo rancho, debaixo de uma enorme tenda às riscas que naquele momento pareceu um palacete, seco, sem água.
Barriga cheia, energias recuperadas, estrada com eles. A chuva deu tréguas, as planícies alentejanas estavam à espera. Rodámos punho para recuperar o atraso da manhã, o sol começou a aquecer e secou os fatos, ajudou o ritmo com que cruzámos as rectas intermináveis de asfalto direito, de horizonte direito, salpicado de sobreiros.

Há que aproveitar a monotonia da estepe alentejana para descansar. Montemor-o-Novo, Alcáçovas, Grândola, terras acolhedoras, muita gente à beira da estrada, incrédula com tantas motos a passar, acenavam, as crianças pulavam, os aventureiros apitavam e cumprimentavam. A festa ia em direcção ao sul.
Agora é que é. Agora volta a excitação do piso difícil, os anunciados estradões. Uma auto-estrada de terra batida, em linha recta, poucos buracos, muito pó, meia dúzia de curvas. Tudo acelerava por ali fora, uns a medo, outros sem medo, motas trail, motos pesadas, vespas, side-cars, uns de pé, outros sem pé, o festim mais desejado e mais temido do percurso. Passámos por montes, por pares de casario, quem disse que o Alentejo é quase desabitado engana-se. A população estava toda na estrada, Só faltavam as colchas à janela para saudar a procissão das motos.
Depois de um pequeno lanche, numa povoação perdida na pradaria, seguiu-se a tradicional passagem do rio a vau. A malta toda contente. Aquilo até nem foi difícil, a altura da água era razoável, até se conseguiam ver os sapinhos. Estão-se a rir ….. então tomem lá …… Luta na lama. Um bocado de estrada bem pegajosa, fofa e gelatinosa, cheia de pocinhas para brincar. Programa para adultos com kit de unhas. As motos escorregavam, resvalavam, andavam de lado, atolavam, afogavam, passava um, caíam dez.


Em Odemira paragem para atestar. A fila era grande e também era grande a fila para dar um duche às motos e às botas, enlameadas até ao joelho, alguns enlameados até ao pescoço. Mas a adrenalina não acabou aqui. Vêem aí umas curvitas de cortar a respiração, serra de Monchique acima, serra abaixo, agora não chove, vingança na estrada. Curvas apertadas, orelha no chão até à civilização turística algarvia.
Paragem para cumprimentar o patrocinador, filinha para picar cartão, quem veio depressa perdeu a pressa, picava-se por número, compasso de espera para ordenar a caravana. Num Algarve que já não existe, passagem por simpáticas terreolas, chegámos ao mar, um pôr-do-sol fantástico, uma estrada paralela à civilização e Sagres à vista.
Já anoiteceu mas era grande a iluminação do local de chegada, com tantos faróis de motos alinhadas para subir ao palanque e, finalmente, terminar a grande aventura. As apostas recomeçaram. Local descampado frente à fortaleza, ausência de infra estruturas para cozinhar, cá vem o porco no espeto, desta vez não me engano. Pois é, engano mesmo. Os tachos da feijoada estavam à espera.


Diziam as simpáticas senhoras – menina, olhe que o arroz já está frio. Mas se regar com o caldo da feijoada fica melhor. Aceitei a sugestão assim como o leite-creme da sobremesa. Naquela altura que se dane a dieta, preciso mesmo é de calorias. Depois de começar às 6:30H da manhã, fazer aquele ror de km, às 9 da noite já estava por tudo. E estava mesmo exausta, dormente, esfomeada e, sobretudo, feliz. Feliz por ter chegado ao fim, feliz por ter amigos que me apoiaram, feliz por ter vivido aquela aventura.
Esta é apenas uma pequena história do meu primeiro Lés-a-Lés. Há muitas mais histórias. Este ano são, certamente, cerca de mil histórias acontecidas ou testemunhadas por mil aventureiros. Cada um tem as suas histórias para contar, nas conversas de amigos, nos encontros, cada vez que se falar nesta epopeia. São essas experiências que alimentam as recordações dos que lá foram, do imaginário dos que nunca foram, da expectativa da próxima aventura, no próximo ano.
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Nota: Fotos retiradas dos álbuns de paulo barroso, ruibip e ruisilva