 |
Rookie |
 |
Registado: quarta abr 15, 2009 11:17 am Mensagens: 24 Localização: Entroncamento
|
Boas, para aguçar os apetites, envio um pequeno relato da viagem que fizemos nesta semana de Páscoa, eu, minha mulher Mariusa e é claro, ela a GS. Do Entroncamento até ao Cabo Bojador. Para quem ainda não conhece, recomenda-se… não se trata obviamente de uma visita a um local mas sim de uma experiência de viagem inesquecível pela qual alguns de vós por certo também já passaram. E eu que até pensava que já conhecia Marrocos!! Foi o sempre surpreendente deserto do Sara no seu melhor. Não é muito fácil a partilha destas viagens, todos sabemos disso, como partilhar sentimentos, cheiros, sensações, emoções. Impossível descrever. A viagem ao Bojador foi sofrida, e ainda bem!!! É daquelas viagens tipo prova de fogo, se não és motociclista perguntas-te que fazes ali e tens a nítida sensação de que, muito provavelmente, essa será a primeira e última vez que ali porás os pés. Se és motociclista apaixonas-te e tens a certeza que não só voltarás ali como da próxima irás ainda mais longe. Esta história conta-se então na travessia de um já velho conhecido Marrocos (desde os tempos em que não tinha mais que uns míseros Km(s) de auto-estrada) até agora onde a mesma aflora Agadir tornando a viagem até esta cidade não mais que um suave (embora sempre encantador) passeio. Entramos em Marrocos por tanger, onde pernoitamos na primeira noite, vindos de Tarifa. No segundo dia foi até Marraquexe, onde chegamos a tempo de um relax no camping antes da saída à noite para um jantar na sempre impressionantes praça Jemaa el-Fna. Depois prosseguimos, até Sidi Ifni, onde acampamos num razoável camping com janela directa para o mar e jantamos num fantástico restaurante que constava do guia da American Express que connosco levamos. No terceiro dia passamos por Gelmim, Tan Tan e a partir daí começa o sofrimento, melhor dizendo, o deserto. E não é preciso sair do alcatrão para sofrer (e muito), as estradas são infinitas as povoações aparecem de centenas em centenas de Km(s), o vento fustiga-te permanentemente, inclina-te a moto, castiga-te o corpo, não sabes se paras se avanças, estranhamente verificas que estar parado é pior, o equilíbrio é mais difícil e a única saída é mesmo avançar. Este não é um vento qualquer, é forte, fortíssimo, muito mais que aqueles que na Europa fazem proibir a circulação das motos nas pontes. É um vento que não vem só… com ele trás areia, uma areia em forma de um pó fino. Que te bate constantemente, te entra pelo capacete, massaja-te a cara e turva-te a visão. A estrada, essa parece uma coisa viva, com a areia a serpentear como se por ela rastejassem milhares de serpentes cor amarela e onde te "vês e desejas" para conseguires vislumbrar o traço central branco da separação das faixas. Isto dura horas… depois a paisagem, encantadoramente desértica. Lutas com o corpo e o teu coração pula, pelo esforço, é certo, mas muito mais pela emoção, tanto que te apetece gritar, de alegria, de gozo. E prossegues… estranhamente ganhas ânimo com tudo aquilo a que tantos outros chamariam martírio. Prossegues, e na tua cabeça por certo passa uma música de que gostas, enquanto com esforço mas com enorme determinação, manténs o punho decidido no acelerador e os braços firmes no guiador. E continuas, devoras e saboreias cada vez mais cada km daquela desafiante estrada. Se contigo levas companhia no banco de trás, vais com a mesma tentando trocar palavras de ânimo, afinal, já é uma sorte imensa possuir alguém (para mais do sexo feminino) que alinhe partilhar esta experiência contigo num banco de pendura e a última coisa que por certo queres é que essa encantadora pessoa se assuste. Depois existem as metas volantes, que são as povoações que de longe a longe vais encontrando e que naquelas paragens te recebem sempre com um qualquer monumento, que pode ser um pórtico ou apenas duas enormes estátuas como camelos, avestruzes, etc., uma de cada lado da estrada. São verdadeiros Arcos do Triunfo que saúdam quem de tão longe veio tão só para ali chegar/passar. E que dizer de povoações como Tarfaya, esta não possui qualquer arco ou monumento à entrada, em vez disso recebe-te com uma estrada que apesar de asfaltada mal consegues distinguir e que uma máquina escavadora, operada por um qualquer funcionário da “autarquia” local, vai permanentemente tentando manter livre de areia. Mas só o facto desta terra existir e de aí viverem pessoa é de enorme nobreza. Uma terra que, como alguém já disse, deserto de um lado e mar do outro disputam tentando ambos engolir. No entanto essa povoação não só existe e não só tem pessoas, como tem museu, monumentos e uma espécie de marginal onde até existem bancos (como os de jardim) para os transeuntes. Tudo isto como se ali fosse possível alguém sentar para descontraidamente contemplar ou conviver. Impossível, a areia tudo rodeia tocada por um incansável vento. Cobres a cara e a cabeça como podes e receias tirar fotos pois a máquina pode, como aconteceu com a minha, estragar-se ao entranhar este fino pó. Uma terra fantasma… uma viagem ao pesadelo… inequivocamente, um admirável fascínio. Depois tens Laayoune, uma verdadeira metrópole no meio do deserto. Como é possível que ao virar daquela duna vás encontrar uma cidade com tudo a que têm direito: avenidas, supermercados, hotéis, restaurantes com esplanada, etc. Um verdadeiro oásis. Pernoitamos lá uma noite, no segundo melhor hotel da cidade, foi bom o duche bem quente e a oportunidade de com o mesmo poder retomar a minha cor natural de pele em vez do castanho com que todos aqueles km(s) de poeira me revestiram e que, por certo, fora o motivo da rejeição da estadia no melhor hotel a que primeiramente me desloquei. Neste e ao olhar para mim, o recepcionista seguramente inventou a desculpa de que o mesmo estaria lotado. Devo acrescentar, que apesar do cansaço apenas não ficamos num camping porque não o encontramos. Dormiria por certo melhor no meu colchão duplo insuflável de 20 cm de altura, onde pagaria 5 ou 6 Euros pela estadia, que naquele quarto de hotel, onde paguei 70 Euros e onde tive que me levantar a meio da noite para desligar a caldeira da água quente que ameaçava explodir de tanto vapor que estava já a gerar. Valeu o pequeno-almoço e o jantar, de facto muito bons e reconfortantes para quem vinha e ainda ia para o deserto. De Laayoune para o Bojador são +/- 200 km (s), apesar de termos saído bem cedo esta parte da viagem foi ainda mais demorada, pois para além do vento, da areia e dos camelos que invadem a estrada, há ainda os muito controlos policiais próprios desta zona. Por regra os policias são bastante simpáticos limitando-se apenas a cumprir a função para a qual ali estão. Mesmo que tal implique obrigar-te a apagar algumas fotos que inadvertidamente lhes tiraste… a povoação de Boujdour é maior que Tarfaya mas muito menor que Laayoune. O cabo, onde existe um singelo (e degradado) monumento assinalando a travessia efectuada pelo nosso Gil Eanes é de surpreender: o mar e as ondas, sempre crispadas, batem forte e mantêm uma permanente cor cinzento escuro devido à constante agitação provocada pelos ventos. Perante tal cenário não é muito difícil imaginarmos as dificuldades por que passaram aqueles primeiros navegadores nas suas frágeis embarcações, se é assim, tão difícil e assustador para quem observa da terra, como será para quem está no mar??... O cabo Bojador estava assim, ao fim de 4,5 dias alcançado. Há a sensação de missão cumprida e relaxas, agora para cima será puro turismo. Foram mais de 700 km(s) nesse dia até chegarmos novamente a Tan Tan Plage onde pernoitamos num camping muito simpático e com excelentes croissants. Durante esse trajecto tiramos mais fotos e observamos com mais alguma calma a paisagem por onde já tínhamos passado mas para a qual, na altura e na ânsia de chegarmos a um destino que ainda desconhecíamos, não houve tempo para desfrutar devidamente. Depois foi a relaxante Essaouira e no último dia em Marrocos tivemos Meknes, onde gastamos mais de meio dia numa visita aos pontos históricos e ao mercado local para as habituais compras de especiarias e também de mais um “tacho” de barro, tamanho familiar para cozinharmos tangine cá em casa. Atravessamos depois, em pouco mais de meia hora, de Tanger para Tarifa onde pernoitamos num já habitual camping entre os muitos que por ali existem. O último dia foram os sem história 650 Km de lá até casa onde chegamos, com as nádegas doloridas, a roupa imunda e a máquina fotográfica, o GPS e os intercomunicadores avariados. Quanto à BM, apenas suja, o resto… como se por nada tivesse passado e gasolina foi a única coisa que me pediu durante todos estes dias. Se isto não é ser (como alguém já disse) a melhor moto do mundo, o que será então?!! Com isto eu já devia estar habituado após todos estes anos de convívio, mas o facto é que sempre que no assunto penso não consigo deixar de me surpreender com a fiabilidade e lealdade desta minha companheira. Costumo pensar nisso, especialmente quando, após uma longa viagem e chegados a um qualquer destino longínquo, me deito na relva ao lado da tenda e assim, de baixo para cima, aprecio com admiração aquela fiel companheira que a meu lado também repousa mas que, ao contrário de mim, não mostra o mínimo sinal de cansaço. Como quem está ali, assim parada, apenas porque os seus frágeis ocupantes não aguentaram mais e teve que parar para lhes dar descanso… Convencida mas está certa. AbraçosLN
Não tem Permissão para ver os Ficheiros anexados nesta Mensagem.
|
|