Já tinha decidido rumar a Tipaza antes de ter perdido o passaporte. Ir "um bocadinho ao lado", a Argel, apenas a 70 kms a leste, não era uma grande modificação de planos, não viesse ela pela razão que foi... Prefiro quase sempre pernoitar em terras pequenas quando viajo de moto. É sempre mais económico, mais seguro e os contactos com as pessoas mais fáceis.
Tipaza é uma pacata vilória de pescadores, incomum por aqui: uma povoação feita em torno de uma "atracção turística" em versão concentrada. Nada mais nada menos que património mundial da UNESCO. QUando há pontos de "atracção turística" na Argélia é assim, em grande. Os argelinos parecem não ter noção do "valor turístico" das suas riquezas e tratam-nas com displicência. Numa zona cercada, a dois minutos do pequeno "centro", estende-se uma parte de uma povoação romana: o anfiteatro, um antigo teatro, as termas, o porto, a rua principal. Tudo paredes meias com o mar, enquadrado pelas montanhas em redor (o monte Chenoua). É um cenário lindo e ao mesmo tempo simples. Gosto. E uma vez mais, apesar do relevo turístico do local, estou só entre argelinos. No hotel, nesta terra, neste país. E este é um dos encantos absolutos deste país.
Para entrar no campo das ruínas romanas paga-se 20 dinares (uns vinte cêntimos)

a um funcionário do estado mal encarado. Há alguns painéis explicativos mas muito sucintos. Não há guias. Os visitantes (poucos) deambulam por ali. Caminho, qual romano, por ali, até ao mar, onde se sente a brisa. O anfiteatro, restos de um teatro, a "avenida principal", as termas, o Porto, o cemitério. Mais tarde em passeio pelas redondezas do campus, do lado exterior, descubro mais "pedras romanas", que andam por ali, em cantos cheios de lixo. Incrível! Venho a saber mais tarde, por locais, que o fundo do mar está repleto de muitos mais vestígios desta cidade romana, a maior parte inexplorados.
Um cheirinho do 'site'...



O mapa da cidade romana.

O monte Chenoua e o pequeno porto de Tipaza. Fotogénicos, não?




Durante o Ramadão, a vida destas terras tem um ritmo especial. Cerca das oito horas, quando o sol se põe, ouvem-me os apelos à oração. As ruas ficam totalmente desertas. Todos os argelinos estão à mesa com a família (é um ritual especial a mesa do jantar durante o Ramadão) e mais tarde a rezar nas mesquita. Em Orão, andar na rua a esta hora é particularmente impressionante. Às oito em ponto, não há um carro nas ruas... numa cidade com 2 milhões de habitantes, cujas ruas estão repletas de gente, uma hora depois. Às 20:15, começam a ver-se alguns carros, algumas pessoas e a partir daí, as ruas e esplanadas enchem-se de centenas de milhares de pessoas. É impressionante.
Mas voltando a Tipaza, tive um dos melhores serões destes dias na Argélia, de conversa com um pescador local que trabalhava num restaurante. Eu fui o único cliente dessa noite

, convidei-o a tomar chá comigo e ficamos na conversa até às tantas, às vezes acompanhados por amigos dele que iam chegando. Por razões que perceberão mais tarde, deixo a maior parte do relato da conversa para depois, ao vivo. Ele não é um pescador como talvez o imaginamos em Portugal. É um jovem a quem dou uns 25 anos, que não acabou a escola secundária e que decidiu dedicar-se pesca e ao negócio do peixe. Neste pequeno porto, só há pequenos barcos e é um negócio de pequena escala. Contou-me o que faz nos dias durante o Ramadão para se esquecer da fomeca

das praias secretas só acessíveis por barco que existem dentro do monte Chenoua (nas fotos acima) e quis saber da vida da Europa que nunca poderá conhecer... Foi um dos melhores momentos destas férias, e se voltar a Tipaza virei seguramente conversar com o B. de novo!
Depois de Tipaza, a costa em direcção (oeste) a Orão. As praias aqui, salvo muito raras excepções, não são lugares explorados turisticamente, sem hotéis e feios, nas imediações. Especialmente no Ramadão, estão praticamente desertas. Os estrangeiros fogem de cá no Ramadão e os muçulmanos estão concentrados nos rituais da época. Mas há lugares muito bonitos.


Uma curiosidade. Os autocarros que se vêem por todo o lado e que fazem as ligações entre cidades. São minibuses Toyota, de uns trinta ou quarenta lugares, climatizados, com a particularidade de terem todos Schnorkel e são muito rápidos (ou os motoristas loucos!). É uma excelente forma de viajar no país, pareceu-me, para além de muito barata.

Orão. 2 milhões de habitantes e grandes contrastes. Gostei muito da cidade. Muito menos policiada do que Argel. O tempo esteve excelente durante a minha estadia e as noites com a temperatura ideal.
A praça 1º de Novembro de 1954. A data do apela à rebelião dos argelinos contra a França colonizadora, que levou à independência do país, após 8 anos de guerra. É o Rossio cá do sítio. FIquei alojado num excelente hotel, não demasiado caro, a 2 minutos a pé.

Nesta cidade, que é a segunda do país, respira-se de tudo. Mesquita onde se reza com fervor, zonas novas, paredes meias com extensas zonas de edifícios muito degradados, mercados apinhados em ruas estreitas, lixo, muito lixo, fortes odores, casas em ruínas, "favelas", tudo dominado pelo porto, cá em baixo, e por um monte a oeste (o djebel Murdjadjo) onde existe um forte e uma igreja (de Santa Cruz), do tempo do espanhóis. A subida lá acima é muito cénica e o panorama para Orão e na direcção oeste é deslumbrante.
O forte e a igreja de Santa Cruz lá no alto e à direita, o porto.


O porto.

Mercados nas ruas de Orão.


(continua)